Algumas considerações são necessárias antes de adentrar especificamente a
conduta de subtração de coisa alheia móvel previamente vigiada, dentre as quais
a natureza do crime impossível, o qual ocorre quando a conduta do agente jamais
poderia levar à consumação do crime, quer pela ineficácia absoluta do meio empregado, quer pela impropriedade do objeto. O artigo 17 do
Código Penal brasileiro descreve em sua tipificação de como estaria caracterizado
um crime impossível, ou seja, conduta atípica.
O crime impossível também recebe a denominação de ‘quase-crime’, ‘tentativa
inidônea’ ou ‘tentativa inadequada’.
A tentativa é o crime que entrou em execução, mas no seu caminho para a
consumação é interrompido por circunstâncias acidentais, alheias a vontade do
agente. A figura típica não se completa. Seguindo os ensinamentos de Cezar
Roberto Bitencourt, a teoria subjetiva fundamenta a punibilidade da tentativa
na vontade do autor contrária ao Direito. Desde que a vontade criminosa se
manifeste nos atos de execução do fato punível, a punibilidade estará
justificada. Na teoria objetiva, a
punibilidade da tentativa fundamenta-se no perigo a que é exposto o bem
jurídico, e a repressão se justifica uma vez iniciada a execução do crime.[1]A
doutrina não é unânime, tanto que também fundamentam a tentativa na teoria
subjetiva-objetiva (risco causado ao bem jurídico) e na sintomática (busca
examinar a realização da conduta do agente na sua periculosidade).
O Código Penal brasileiro adotou a teoria objetiva temperada pela qual só
há crime impossível se a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto forem
absolutas. Por isso, se forem relativas haverá crime tentado.
No que tange especificamente à consumação do crime de furto, várias
teorias são criadas para explicar a caracterização da consumação: (1) a
concretatio (basta tocar a coisa); (2) a apprehensio rei (é suficiente
segurá-la); (3) a amotio (exige-se a remoção de lugar); e (4) a ablatio (a
coisa é colocada no local a que se destinava, em segurança). A jurisprudência
consagrou uma situação intermediária entre as últimas teorias, a da inversão da
posse, entendendo-se consumado o furto quando a agente tem a posse tranquila da
coisa (...)[2]
O Doutrinador Alberto Silva Franco sobre a conduta em análise assim
discorre de forma incisiva: ‘(...) nos casos em que a conduta do agente é
previamente vigiada, é dizer, desde o início controlada, por exemplo, por
agentes de segurança de um estabelecimento comercial, torna-se impossível a
consumação do delito, ainda que os agentes esperem o momento adequado para
efetuar a prisão. Não há como se falar em tentativa de furto, posto que o meio
utilizado pelo agente era absolutamente ineficaz. Isso porque desde o início
era vigiado, o que impossibilitaria a consumação do delito. Ocorre que nesses
casos em que a ação é percebida desde o início pela vigilância, torna-se exante
inidônea, em face do conjunto das circunstâncias, visto que não apresenta
perigo concreto ao bem jurídico (André Luis Callegari. Crime impossível – furto
em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança).[3]
Os que adotam a teoria subjetiva entendem haver tentativa haja vista que
para esta basta a vontade – contrária ao Direito – de subtrair coisa alheia
móvel, aliada ao animus furandi. Entretanto, como o Código Penal
brasileiro em vigor adota a teoria objetiva, a tentativa só é punida por haver
grande probabilidade da produção do ilícito.
A jurisprudência do STJ e STF é no sentido de que a simples presença de
sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial não torna o
agente completamente incapaz de consumar o furto, logo, não há que se afastar a
punição, a ponto de reconhecer configurado o crime impossível, pela absoluta
ineficácia dos meios empregados.
Os Tribunais dos Estados não são unânimes. O Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, no julgamento da apelação n.º 1.0317.07. 072058-4/001, mantivera a
absolvição, senão vejamos: PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. FURTO. MONITORAMENTO DE
TODA A AÇÃO POR CIRCUITO INTERNO DE TV. CRIME IMPOSSÍVEL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. “Estando
o agente sendo observado e seus passos, desde o início, monitorados pelo
circuito interno de TV e pelos seguranças da loja, os quais inclusive,
aguardaram o momento apropriado para detê-lo e acionar a polícia, forçoso
concluir que este jamais conseguiria chegar à consumação de subtração, tornando
a tentativa em crime impossível, já que o meio empregado revelou-se
absolutamente incapaz de produzir o resultado almejado” (TJMG -3ª C.AP
1.0317.07. 072058-4/001(1) -rel Paulo Cesar Dias-j. 27.01.2009-DOE 12.03.2009).
Infelizmente, os Tribunais
Superiores seguem uma linha mais conservadora e legalista, indo até mesmo
contra a Política Criminal de ultima
ratio, analisando criteriosamente o caso concreto para haver um divisor
entre conduta atípica e uma conduta tentada. Consideram que deve levar em
consideração o fato de que nem todos os meios serão absolutamente ineficazes
quando houver um sistema de vigilância no local. Isto porque ter os movimentos
monitorados é diferente de tê-los ‘controlados’. Daí a previsão do Código Penal
em considerar um crime impossível apenas quando o meio for absolutamente ineficaz e não apenas em um meio relativo.
Em que pesem posicionamentos contrários que vão contra a Política de ultima ratio ao direito penal, data
venia, o presente subscritor posiciona-se no sentido de que a subtração de
coisa alheia móvel previamente monitorada e/ou controlada, deve ser considerada
como uma conduta totalmente atípica, até pelo fato de o bem jurídico patrimônio
estar totalmente tutelada naquelas circunstâncias.
BIBLIOGRAFIA:
Bitencourt,
Cezar Roberto, Código Penal Comentado /Cezar Roberto Bitencourt, 3ª ed, Atual.
– SP : Saraiva.
Franco, Alberto Silva Franco e STOCO,
Rui. Código Penal e sua
interpretação: doutrina e jurisprudência. 8a ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
INTERNET: Disponível em:
Mirabete, Julio
Fabbrini, Manual de direito penal/
Julio Fabbrini Mirabete, 23ª ed. – São Paulo : Atlas, 2005.
[1]
Bitencourt, Cezar Roberto, Código Penal
Comentado /Cezar Roberto Bitencourt, 3ª ed. Atual. – São Paulo : Saraiva,
2005, pág 53.
[2]
Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito
penal/ Julio Fabbrini Mirabetye, 23ª ed. – São Paulo : Atlas, 2005, pág 237.
[3] Franco, Alberto Silva Franco e STOCO,
Rui. Código Penal e sua
interpretação: doutrina e jurisprudência. 8a ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 783).
Complemento....
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=naup8-Y1NZo
TENTATIVA INIDÔNEA:
ResponderExcluirA tentativa, como início de execução do tipo objetivo de um crime doloso, supõe meio eficaz e objeto próprio para produção do resultado. A ação com meio ineficaz ou sobre objeto impróprio para produzir o resultado configura tentativa inidônea (ou crime impossível).
Livro de Juarez Cirino, Parte Geral. Tentativa e Consumação.