quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A Inviabilidade de subtração de coisa alheia móvel por conta de estar previamente vigiada. Tentativa de furto ou crime impossível?

Algumas considerações são necessárias antes de adentrar especificamente a conduta de subtração de coisa alheia móvel previamente vigiada, dentre as quais a natureza do crime impossível, o qual ocorre quando a conduta do agente jamais poderia levar  à consumação do crime, quer pela ineficácia absoluta do meio empregado, quer pela impropriedade do objeto. O artigo 17 do Código Penal brasileiro descreve em sua tipificação de como estaria caracterizado um crime impossível, ou seja, conduta atípica.  O crime impossível também recebe a denominação de ‘quase-crime’, ‘tentativa inidônea’ ou ‘tentativa inadequada’.
A tentativa é o crime que entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação é interrompido por circunstâncias acidentais, alheias a vontade do agente. A figura típica não se completa. Seguindo os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt, a teoria subjetiva fundamenta a punibilidade da tentativa na vontade do autor contrária ao Direito. Desde que a vontade criminosa se manifeste nos atos de execução do fato punível, a punibilidade estará justificada.  Na teoria objetiva, a punibilidade da tentativa fundamenta-se no perigo a que é exposto o bem jurídico, e a repressão se justifica uma vez iniciada a execução do crime.[1]A doutrina não é unânime, tanto que também fundamentam a tentativa na teoria subjetiva-objetiva (risco causado ao bem jurídico) e na sintomática (busca examinar a realização da conduta do agente na sua periculosidade).
O Código Penal brasileiro adotou a teoria objetiva temperada pela qual só há crime impossível se a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto forem absolutas. Por isso, se forem relativas haverá crime tentado.
No que tange especificamente à consumação do crime de furto, várias teorias são criadas para explicar a caracterização da consumação: (1) a concretatio (basta tocar a coisa); (2) a apprehensio rei (é suficiente segurá-la); (3) a amotio (exige-se a remoção de lugar); e (4) a ablatio (a coisa é colocada no local a que se destinava, em segurança). A jurisprudência consagrou uma situação intermediária entre as últimas teorias, a da inversão da posse, entendendo-se consumado o furto quando a agente tem a posse tranquila da coisa (...)[2]
O Doutrinador Alberto Silva Franco sobre a conduta em análise assim discorre de forma incisiva: ‘(...) nos casos em que a conduta do agente é previamente vigiada, é dizer, desde o início controlada, por exemplo, por agentes de segurança de um estabelecimento comercial, torna-se impossível a consumação do delito, ainda que os agentes esperem o momento adequado para efetuar a prisão. Não há como se falar em tentativa de furto, posto que o meio utilizado pelo agente era absolutamente ineficaz. Isso porque desde o início era vigiado, o que impossibilitaria a consumação do delito. Ocorre que nesses casos em que a ação é percebida desde o início pela vigilância, torna-se exante inidônea, em face do conjunto das circunstâncias, visto que não apresenta perigo concreto ao bem jurídico (André Luis Callegari. Crime impossível – furto em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança).[3]
Os que adotam a teoria subjetiva entendem haver tentativa haja vista que para esta basta a vontade – contrária ao Direito – de subtrair coisa alheia móvel, aliada ao animus furandi. Entretanto, como o Código Penal brasileiro em vigor adota a teoria objetiva, a tentativa só é punida por haver grande probabilidade da produção do ilícito.
A jurisprudência do STJ e STF é no sentido de que a simples presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, logo, não há que se afastar a punição, a ponto de reconhecer configurado o crime impossível, pela absoluta ineficácia dos meios empregados.
Os Tribunais dos Estados não são unânimes. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da apelação n.º 1.0317.07. 072058-4/001, mantivera a absolvição, senão vejamos: PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. FURTO. MONITORAMENTO DE TODA A AÇÃO POR CIRCUITO INTERNO DE TV. CRIME IMPOSSÍVEL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. “Estando o agente sendo observado e seus passos, desde o início, monitorados pelo circuito interno de TV e pelos seguranças da loja, os quais inclusive, aguardaram o momento apropriado para detê-lo e acionar a polícia, forçoso concluir que este jamais conseguiria chegar à consumação de subtração, tornando a tentativa em crime impossível, já que o meio empregado revelou-se absolutamente incapaz de produzir o resultado almejado” (TJMG -3ª C.AP 1.0317.07. 072058-4/001(1) -rel Paulo Cesar Dias-j. 27.01.2009-DOE 12.03.2009).
 Infelizmente, os Tribunais Superiores seguem uma linha mais conservadora e legalista, indo até mesmo contra a Política Criminal de ultima ratio, analisando criteriosamente o caso concreto para haver um divisor entre conduta atípica e uma conduta tentada. Consideram que deve levar em consideração o fato de que nem todos os meios serão absolutamente ineficazes quando houver um sistema de vigilância no local. Isto porque ter os movimentos monitorados é diferente de tê-los ‘controlados’. Daí a previsão do Código Penal em considerar um crime impossível apenas quando o meio for absolutamente ineficaz e não apenas em um meio relativo. 
Em que pesem posicionamentos contrários que vão contra a Política de ultima ratio ao direito penal, data venia, o presente subscritor posiciona-se no sentido de que a subtração de coisa alheia móvel previamente monitorada e/ou controlada, deve ser considerada como uma conduta totalmente atípica, até pelo fato de o bem jurídico patrimônio estar totalmente tutelada naquelas circunstâncias. 

BIBLIOGRAFIA:

Bitencourt, Cezar Roberto, Código Penal Comentado /Cezar Roberto Bitencourt, 3ª ed, Atual. – SP : Saraiva.
Franco, Alberto Silva Franco e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
INTERNET: Disponível em:
Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal/ Julio Fabbrini Mirabete, 23ª ed. – São Paulo : Atlas, 2005.




[1] Bitencourt, Cezar Roberto, Código Penal Comentado /Cezar Roberto Bitencourt, 3ª ed. Atual. – São Paulo : Saraiva, 2005, pág 53.
[2] Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal/ Julio Fabbrini Mirabetye, 23ª ed. – São Paulo : Atlas, 2005, pág 237.
[3] Franco, Alberto Silva Franco e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 783).


2 comentários:

  1. Complemento....

    http://www.youtube.com/watch?v=naup8-Y1NZo

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  2. TENTATIVA INIDÔNEA:

    A tentativa, como início de execução do tipo objetivo de um crime doloso, supõe meio eficaz e objeto próprio para produção do resultado. A ação com meio ineficaz ou sobre objeto impróprio para produzir o resultado configura tentativa inidônea (ou crime impossível).
    Livro de Juarez Cirino, Parte Geral. Tentativa e Consumação.

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